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Tratamento

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O HIV não tem rosto”, frase que é reforçada nos encontros da organização.

(Ilustração: Raquel Sant'Ana).

Quem vê Valcan*, 57, andando pelas ruas de Fortaleza logo percebe sua força e saúde. A boa aparência é graças aos exercícios físicos e aos remédios que tratam o HIV. Mas nem sempre foi assim. Na época em que foi diagnosticado como soropositivo, em 1992, o medicamento para tratar a infecção era o AZT, que não era prescrito para todos e nem controlava completamente o vírus.

Os remédios antirretrovirais só foram disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 1995. A combinação desses medicamentos, conhecida como coquetel, contém o avanço do vírus HIV no organismo do usuário. Hoje já existem versões que compactam várias drogas em um só comprimido. A distribuição gratuita dos remédios para o tratamento de pessoas com Aids e HIV é assegurada pela Lei nº 9.313

O infectologista Anastácio Queiroz aconselha iniciar o tratamento imediatamente após o diagnóstico positivo. “Iniciando a terapia cedo, o indivíduo não vai ter a deterioração do sistema imune”. O uso contínuo dos remédios é recomendado para controlar o vírus no organismo e impedir o surgimento das chamadas doenças oportunistas, mas pode causar efeitos colaterais como náuseas, vômitos e diarreia.

Eu tive um infarto por causa dos medicamentos. Adquiri diabetes e pressão alta”, relata Valcan.

Embora os remédios sejam indispensáveis para garantir a vitalidade de pacientes de HIV, seus efeitos colaterais podem ser fortes. “Eu tive um infarto por causa dos medicamentos. Adquiri diabetes e pressão alta”, conta Valcan. Anastácio Queiroz explica que toda medicação tem efeito colateral e por isso é necessário o acompanhamento médico. “Caso apresente algum sintoma, deve voltar ao ambulatório para saber se está relacionado ao uso da medicação”.

Em abril, o atendimento médico a pessoas vivendo com Aids e HIV foi suspenso no município de Horizonte, Região Metropolitana de Fortaleza. De acordo com a denúncia recebida pelo Sindicato dos Médicos, a interrupção do serviço se deu por conta da transferência do único médico infectologista da cidade para a capital à pedido da Secretaria de Saúde do Ceará.  A criação do Ambulatório de Infectologia da Policlínica Municipal de Horizonte, em 2018, visava desafogar a procura do Hospital São José (HSJ) em Fortaleza. Mas agora sem médico, cerca de 100 pacientes precisaram ser encaminhados à capital. O deslocamento de Horizonte a Fortaleza e a já grande demanda do HSJ dificultam o acesso dos pacientes ao atendimento. 

Confira no mapa os pontos de Serviço de Atenção Especializada (SAE) para Aids e HIV no Ceará.

Em maio, a Secretaria da Saúde de Horizonte deu o prazo de 40 a 60 dias para a volta do serviço. Agora, já em novembro, tentamos entrar em contato com a Secretaria de Saúde da cidade por telefone, mas não fomos atendidos. No entanto, três funcionários do Hospital de Horizonte, que não quiseram se identificar, confirmaram que o município continua sem infectologista e que não há previsão para a normalização do atendimento.

As irregularidades no tratamento dos soropositivos no estado não são de agora. Em agosto de 2018, o Hospital São José (HSJ), referência no tratamento de doenças infecciosas no Ceará, principalmente da Aids, modificou a forma como os remédios para o tratamento de HIV e Aids são entregues. Desde então as receitas para retirada dos medicamentos são datadas para o dia da consulta, que acontece a cada quatro meses. Vando Oliveira, coordenador da Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV e AIDS (RNP+), contesta a alteração. “Para o paciente que vem do interior é um problema. Ele leva o tratamento para no máximo dois meses, mas nem sempre têm condições financeiras de vir para a capital no dia do retorno”, contesta.

Em nota, o Hospital afirmou que a mudança tem como objetivo resolver a ausência de pacientes nas consultas. De acordo com a direção do São José, 1.170 soropositivos deixaram de comparecer ao retorno médico entre 2013 e 2017. O HSJ ainda declarou que com a medida "pacientes que estavam ausentes há anos, voltaram a fazer seus acompanhamentos regulares".

Mas essa não foi a primeira vez que o Hospital São José teve que se explicar sobre o tratamento prestado aos soropositivos. Em 2016, por uma semana, dois remédios faltaram na farmácia do Hospital. Cerca de 140 pacientes com HIV e Aids foram prejudicados no período. Na ocasião, em nota, o HSj afirmou que, depois das queixas, a entrega dos medicamentos foi regularizada pelo Ministério da Saúde.

Em 2015 pelo menos 14 medicamentos para HIV e Aids eram distribuídos de forma irregular no Ceará. Na época a Secretaria de Saúde do Estado informou, através de nota, que o repasse foi normalizado após as denúncias dos pacientes.

Segundo o Art. 196, da Constituição Federal de 1988, é dever do País, dos Estados e dos Municípios garantir o direito à saúde. “Em uma eventual falta [dos medicamentos], qualquer um desses entes federados pode responder judicialmente, pois eles são os responsáveis por garantir o fornecimento do tratamento”, explica o advogado especialista em direito do trabalho, Antônio José Gomes.

Para que isso aconteça é necessário denunciar o caso. “Ele [paciente] pode acionar a justiça para que seja garantido o fornecimento [do tratamento].  É importante colocar que o paciente que não tenha condições de pagar um advogado particular pode procurar a Defensoria Pública”, aconselha o advogado.

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Medicamentos usados no tratamento do HIV. Fotografia: Fayher Lima

A ausência de comprimidos para tratamento é denunciada por entidades como a RNP+. De acordo com Vando Oliveira, coordenador da RNP+CE e representante regional da RNP+ no Nordeste,  a conversa entre as partes acontece por e-mail e nem sempre as queixas são tornadas públicas.

Mesmo com todas essas situações o Brasil ainda é um país modelo quanto o tratamento de pessoas com HIV e AIDS. O médico Anastácio Queiroz comenta sobre o assunto no vídeo a seguir.

A Aids e HIV na legislação brasileira

As idas ao hospital para realizar consultas e exames, os efeitos colaterais dos medicamentos e o preconceito fazem parte da rotina dos soropositivos, com isso, alguns ficam impossibilitados de trabalhar. Segundo a Instrução Normativa INSS/PRES nº 45 de 2010, a pessoa que vive com Aids/HIV e que for segurada tem direito ao auxílio-doença sem precisar cumprir o prazo mínimo de contribuição. A normativa também assegura aposentadoria por invalidez para pacientes de Aids.

A gente não pode trabalhar. Quando os exames mostram que temos HIV, eles [empregadores] não contratam”, lamenta Cláudia. 

Cláudia*, que descobriu ter HIV durante o parto, conquistou o direito ao auxílio-doença depois de ser dispensada de várias entrevistas de emprego quando relatava ser soropositiva. “A gente não pode trabalhar. Quando os exames mostram que temos HIV, eles [empregadores] não contratam”, lamenta Claudia. 

 

Pela Lei nº 12.984/2014 negar trabalho e emprego a alguém pela sua condição sorológica é crime.  “É ilegal, é jurisprudência pacífica. Cabe um processo contra isso, por danos morais e materiais.” alerta o advogado Paulo Ricardo, que há três anos presta trabalho voluntário a soropositivos na RNP+. 

No Ceará, até maio de 2019, 632 soropositivos estavam aposentados por invalidez, de acordo levantamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entre os anos de 2017 e maio de 2019, o INSS aprovou 1.001 benefícios sociais a pessoas soropositivas e com Aids no Ceará. Foram concedidos 666 auxílios-doença, 239 benefícios assistenciais ao deficiente, 87 aposentadorias por invalidez, oito auxílios-doença por acidente do trabalho e uma aposentadoria por invalidez após acidente de trabalho.

De 1991 a junho de 2019, as pessoas que vivem com Aids e HIV que recebessem aposentadoria por invalidez poderiam ser convocados a qualquer momento para comprovar sua condição médica. Depois da aprovação da Lei nº 13.847/19 , elas foram dispensadas dos exames de comprovação. A proposta foi originalmente vetada pelo presidente Jair Bolsonaro para impedir fraudes e por presumir condição perpétua de incapacidade e desconsiderar avanços médicos. Porém o veto foi rejeitado pelo Congresso em 11 de junho de 2019.

Passagem gratuita

Em 2015 a Prefeitura de Fortaleza disponibilizou Bilhetes Únicos, com 30 passagens gratuitas, para pessoas que vivem com HIV e Aids. Quatro anos após a implementação, apenas mil pacientes têm acesso ao bilhete na cidade, e com o fim de novos cadastros desde 2018, o restante da população soropositiva está sem acesso ao benefício. Até o momento a prefeitura ainda não reabriu o cadastramento.

Já em 2017 o Governo do Estado do Ceará modificou a Lei nº 12.568/96. Com a reformulação, pessoas diagnosticadas com HIV e Aids, e que comprovem que estão em tratamento de saúde, têm direito a gratuidade no transporte metropolitano regular e complementar. O Passe Livre garante mobilidade e periodicidade no tratamento delas, já que abrange as regiões metropolitanas de Fortaleza, Sobral e Cariri.

© 2019 por Raquel Sant'Ana e Thiago Mourão. Criado com Wix.com

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